sexta-feira, 11 de junho de 2010

Marcas, a memória estampada na pele

Interessam-me as cicatrizes. Engraçado eu dizer isso, ou pelo menos soa de uma maneira muito estranha para quem lê assim, de repente, um texto que começa dessa forma. Mas acho que você irá concordar comigo.
Tudo o que você faz tem um reflexo no universo, seja a sua volta próxima ou mais distante. Toda ação gera reação e, as vezes, certas marcas. E assim como um diário que tem por intenção não perder um momento sequer da sua vida, alguns dos nossos atos ficam gravados em nosso corpo através das cicatrizes. Nada mais certo já que o usamos com tanta intensidade.
Claro que existem aquelas cicatrizes que não desejo a ninguém, as traumáticas. A essas acho que devam ser removidas pelos meios mais modernos de cirurgia plástica e da forma mais rápida. E mais, deveriam ser feitas de graça. Ninguém merece ficar marcado por algo que faz mal a memória e ainda ao corpo. Um trauma já é ruim por si só, ter que carregar sua lembrança estampada é algo realmente desconfortável.
Entretanto algumas cicatrizes demonstram a capacidade de vivência das pessoas, demonstram, assim como um diário quase completamente escrito, que a pessoa soube aproveitar a vida. E essa é a minha impressão positiva da cicatriz. Nesse ponto que acho que você pode concordar comigo.
Pergunte a alguém que tem alguma cicatriz exposta (claro que se através do comportamento a pessoa tenta esconde-la não faça isso nunca!) sobre qual estrepolia a levou a ter aquela marca. Geralmente a pessoa responde com um sorriso. Estava aprontando! E conta toda a situação que ficou marcada tanto na mente como no corpo, mas deixou na voz daquele que relata uma sensação de saudade.
Sou suspeito para dizer isso, pois não me lembro de ter cicatriz. Ou tenho, mas não consigo ver. Lembro que quando era criança, meu irmão, numa brincadeira infantil, jogou um bambu que acabou acertando minha testa. Lembro do sangue escorrendo, de meu pai me levando para o hospital, da enfermeira costurando a minha testa. Lembro ainda dela raspando um parte da cabeça para poder dar os pontos necessários.
Mas nunca mais vi esse corte na minha cabeça. E mesmo com toda a dor sentida, lembro-me com certa nostalgia dessa época. Época boa, em que andava a pé pelo quintal de casa, brincando o dia inteiro, com a única preocupação de ser feliz.
Acho que todos que tem essas cicatrizes adquiridas com as molecagens de crianças, ou mesmo as farras de adolescentes devam ser lembradas com essa nostalgia. Talvez preferisse ter umas duas ou três cicatrizes para poder contar aos outros: Essa adquiri em tal situação, enquanto essa, foi numa situação diferente. Tal como uma tatuagem naturalmente acontecida, a cicatriz representa para mim um momento de saudade.
E que saudade de minha infância tão bem vivida no jardim de casa, subindo em árvores frutíferas, brincando com os cachorros, deixando a tarde inteira apenas para fazer minhas “molecagens”. Provando as frutas diretamente na sua “produção”. E as goiabas na casa da vovó?! Como eram saborosas, e por vezes com alguns bichinhos de goiaba, eu sei... E o pé de goiaba? O meu preferido, preciso dizer, foi tantas coisas sendo apenas uma árvore: nave espacial, carro, ônibus, até mesmo casa (tudo bem, um pouco desconfortável, mas quem estava ligando para conforto?)
Mas mesmo assim, posso dizer: Tive uma infância sadia, alegre, cercado por todos aqueles a quem queria bem. Talvez a minha falta de cicatrizes demonstre que eu fui um menino prudente, que não me arriscava nas aventuras reais, concretas. Ah, mas na imaginação, nada nem ninguém conseguia me impor limites. Fui muito mais longe do que qualquer sonda espacial e fiz que até o que Deus duvida ser possível para sua criação.
É, não tenho cicatrizes, mas tenho excelentes lembranças de minha infância. E o que não me lembro, recolho das informações da minha mãe, da minha avó. Ok, pra mim basta.